segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A permanência da falta de fala e a psicopatologia do Afro-Africano

Intriga-me quando vejo como o preto nascido quer em

África quer em sua diáspora relutar em possuir um discurso sobre si?!?

Acerca mais ou menos de 4 anos, depois uma longa jornada em busca do livro Biko, estava eu imerso nas páginas do mesmo, quando me deparei com a seguinte frase “por mais que falemos a sua língua, os nossos códigos lingüísticos, símbolos e representações são outros, por isso estamos em desvantagem”.

Os norte-americanos nunca se reconheceram. Como poderiam? Isso é impossível, até que alguém invente termos originais. Enquanto nos contentarmos em ser chamados pelos termos de outrem, seremos incapazes de ser qualquer coisa senão tapeados por nós mesmos. WILLIAMS Apud APPIAH [2007]

Percebi logo quão difícil e complexo para um ser de cor viver em um mundo dominado por homens brancos: em primeiro lugar pela falta de uma auto-fala e pelas representações criadas sobre si fruto do imaginário euro-européu racista e racialista, e segundo por viver em sociedade multirracial e preso em redes de relações raciais semi-pacificas, controladas por liberais brancos (euro-européu não racista ou que se apresenta como tal em uma sociedade racista) brancos por serem mais acessíveis e mais fácil de atacar devido à própria natureza moderada.

Nossas experiências e idéias passadas não são experiências ou idéias mortas, mas continuam a ser ativadas, a mudar e infiltrar nossa experiência e idéias atuais. Sob muitos aspectos, o passado é mais real que o presente. O poder e a claridade peculiares das representações – isto é, das representações sociais – deriva do sucesso com que elas controlam a realidade de hoje através da de ontem e da continuidade que isso pressupõe. MOSCOVICI [2003]

Liberais esses supostamente defensores das lutas e causas dos afro-africanos. E que ao mesmo tempo se apresenta como espoliador usurpador da fala do afro-africano que por sua vez se sente constrangido em ter uma fala menos universal e, mas de recorte étnico nas soluções de problemas que se apresentam universais, mas de características especificas e atuam de forma especifica no tecido social, das sociedades multirraciais e étnicas. Que leva a criação de obstáculos, mas perversos, que colocam o afro-africano em uma situação de inércia. Devemos levar em conta os anos de doutrinação que começaram com o primeiro encontro do homem branco com o afro-africano no período das navegações, quando os euro-europeus se auto-colocaram como o padrão de ego. Este mecanismo de controle quase que automático por parte do homem branco é quase que automático e ou incapaz de viver de acordo com seus ideais, por se dar na esfera da psique. Por mais que se apresentem como indivíduos desprovidos de preconceitos (não racista ou que se apresenta como tal), isso de ordem moral individual e não coletiva o leva, a um comportamento racista, pois vive e se vive em um mundo onde o ideal de ego é euro-européu.

O dominador, detentor de poder, adota, segundo suas necessidades, o procedimento de controle da produção coletiva, sem abordarem diretamente os usos e costumes do povo dominado, extraindo “somente” o produto do trabalho alheio ou, o que tem sido encontrado amiúde, a dominação econômica, política e cultural/religiosa. É este o processo de sonegação do direito à auto-afirmação, fruto de um processo de des-legitimação político-sócio-cultural em relação à África e ao afro-africanos.

O peso de sua historia dos costumes e conteúdo cumulativo nos confronta com toda a resistência de um objeto material. Talvez seja uma resistência ainda maior, pois o que é invisível é inevitavelmente mais difícil de superar do que o que é visível. MOSCOVICI [2003]

Os afro-africanos foram “desenraizados, perseguidos, frustrados e condenados a assistirem a dissolução das verdades nas quais sempre acreditaram. Como resultado dessa antinomia que coexiste com o homem de cor. Podemos tirar duas conclusões: que os brancos consideram-se superiores aos afro-africanos e que o afro-africano deseja provar ao euro-europeu, a todo custo, o igual valor de seu intelecto. Tal provação levou e leva a um sofrimento vivenciado que atravessa os mecanismos psicológicos que a psique do afro-africano assim como de todo e qualquer ser humano tem funcionando em si, torna-se inconsciente e poderosamente ativo, porque instalado nas sombras do desconhecido.

Porém, apesar de a mente humana trabalhar da mesma maneira, existem diferenças que se dão devidas a ordens e ou fatores diversos. Fator genético que dá a cada um diferenças na percepção, desde a mais tenra idade, os relacionamentos que levam a cada pessoa, com singularidade, a inscrição em crianças os traços da sua cultura étnica e fatores sociais que influenciam de forma decisiva, através de professores, médicos, chefes, artistas, psicólogos, padres (aparelhos ideológicos de Estado) e etc., elementos que colocarão o modo de ver o mundo, geralmente já perpassado pela visão de mundo da classe dominante.

São esses aparelhos chamados aparelhos ideológicos de Estado. Esse quadro complexo e sutil vai, aos poucos, sendo introjetado pela pessoa, na medida em que a repetição dos pontos de vista, das normas, faz com que ela sinta a pressão do grupo circundante e dominante. ANDRADE [ ]

Assim o euro-europeu dominador quebrou a coluna dorsal do povo afro-africano dominado e oprimido, ou seja, os elementos essenciais para a manutenção da moral do povo afro-africano — sua cultura e religião. Essa violência tem levado o homem de cor, tanto em África quanto na Diáspora, a lutar e buscar reconhecimento, autorização, aprovação ou aval por parte do euro-europeu, para se sentir realizado ou capaz. Fanon adequadamente coloca:

O homem só é humano na medida em que ele quer se impor a um outro homem, a fim de ser reconhecido. Enquanto ele não é efetivamente reconhecido pelo outro, é este outro que permanece o tema de sua ação. É deste outro, do reconhecimento por este outro que dependem seu valor e sua realidade humana. É neste outro que se condensa o sentido de sua vida. FANON [2008]

Levando o próprio afro-africano a um comportamento fútil em todos os âmbitos e sentidos em especial por parte do homem de cor. Assim o afro-africano se apresenta e vive de comparação, onde há uma preocupação constante com a autovalorização e com o ideal de ego, sempre que entra em contato com um outro semelhante, advêm questões de valor e mérito. Humilhando o seu semelhante de diversas formas constituindo-se assim ele mesmo um “homicida”.

Querem impor sua ficção. Querem ser reconhecidos em seu desejo de virilidade. Querem aparecer. Cada um deles constitui um átomo isolado, árido, cortante; em passarelas bem delimitadas, cada um deles é. Cada um deles quer ser, quer aparecer. FANON [2008]

A pior herança dos povos africanos

Do período de cativeiro físico e agora mental

É a programação cognitiva que ate hoje os mata?!?

Tentem compreender o “sentido” e a direção dos fenômenos mórbidos sem levar em consideração este objetivo final, e vocês se encontrarão logo diante de uma multidão caótica de tendências, impulsos, fraquezas e anomalias, feita para desencorajar uns e suscitar em outros o desejo temerário de penetrar, custe o que custar, nas trevas, arriscando-se a voltar com as mãos vazias ou com um despojo. FANON [2008]

Após séculos de dominação e repetição sistemática desses preconceitos, através da escola, das famílias, dos meios de comunicação, é evidente que conseguiram lograr êxito quase total. Essa vitória até hoje verificada, encontra seu ápice quando o próprio afro-africano* passa a acreditar no que ouve da boca do dominador. A partir desse momento, introjeta essas idéias que transpassam seus sentimentos e inicia um processo de ódio aos afro-africanos mais próximos: sua família. Fica intolerante apontando os “defeitos” nos seus, feiúra em irmãos e irmãs, mau-caratismo em seu povo.

ANDRADE [ ]

Assim após a aceitação dos preconceitos do dominador euro-européu o afro-africano em posse de tal introjeção ataca com ferocidade a sua psicosomatología com a intenção de aniquilar e destruir sua auto-imagem e corpo, que leva a uma forma negativa de se expressar seu valor. Este fenômeno é facilmente obsersavo nos homens de cor com algum tipo de sucesso: financeiro, econômico, social, intelectual, esportivo, artístico, etc.

A alfabetização tem conseqüências importantes, dentre elas o fato de permitir um tipo de coerência que a cultura oral não exige nem pode exigir. GOODY Apud APPIAH [2007]

Daí vimos geralmente os pretos intelectuais criam escolas nos moldes ocidentais, quando lecionam tendem a ser, mas exigentes e a demonstrar que dominam e conhecem profundamente às teorias e conceitos postulados.

Sendo assim o afro-africano civilizado a estupefação chega ao cúmulo, pois ele está perfeitamente adaptado. Com ele o jogo não é mais possível, é uma perfeita replica do euro-européu. Chegando a realizarem exibições de citações de intelectuais brancos, diante uma platéia branca e entre os seus não instruídos, criando a imagem do reconhecido e vitorioso na luta pelo ideal de ego euro-européu, e os com sucesso econômico-financeiro em especial a se tornarem consumistas de primeira ordem e grandeza e valorizando um status corrompido do ser homem de cor.

Para entendermos como tais construções ocorrem, o caminho lógico é examinar a linguagem, na medida em que é a partir dela que criamos e vivenciamos os significados. Na linguagem está a promessa do reconhecimento; dominar a linguagem, um certo idioma, é assumir a identidade da cultura. A questão da língua também levanta outras questões mais radicais sobre seu papel na formação dos sujeitos. Assim, todo povo colonizado – isto é, todo povo no seio do qual nasceu um complexo de inferioridade devido ao sepultamento de sua originalidade cultural – toma posição diante da linguagem da nação civilizadora isto é, da cultura metropolitana”. FANON [2008]

O que é importante é a natureza da mudança, através da qual as representações sociais se tornam capazes de influenciar o comportamento do individuo participante de uma coletividade. É dessa maneira que elas são criadas, internamente, mentalmente, pois é dessa maneira que o próprio processo coletivo, penetra como o fator determinante do pensamento individual. MOSCOVICI [2003]

Assim, o gesto de escrever para si e sobre si mesmo e possuir uma fala própria se torna capaz de proporcionar um momento prazeroso de autovalidação ao homem de cor. Eis aqui, portanto, uma revolução que me é adequado abraçar – ajudar minha sociedade a recuperar a confiança em si e a se desfazer dos complexos dos anos e infâmia e autodegradação. KILLAM Apud AAPIAH [2007]

O meu esforço aqui é senão é guiado pela preocupação do círculo vicioso que aprisiona o homem de cor e pela tentativa de trazer a luz os dilemas desse círculo vicioso, segundo MOSCOVICI:

isso é assim, não porque ela (representação social/construções) possuiu uma origem coletiva, ou porque ela se refere a um objeto coletivo, mas porque, como tal sendo compartilhada por todos e reforçada pela tradição, ela constitui uma realidade social sui generis. Quando mais sua origem é esquecida e sua natureza convencional é ignorada, mais fossilizada ela se torna. O que é ideal, gradualmente torna-se materializado. Cessa de ser efêmero mutável e mortal torna-se, em vez disso duradouro, permanente, quase imortal. Quanto menos pensamos nelas, quanto menos conscientes somos delas, maior se torna sua influência. MOSCOVICI [2003]

* termo acrescentado por nós do original negro

Por: Nkuwu-a-Ntynu Mbuta Zawua

Referencias

ANDRADE, Dermeval Corrêa de. O negro: psique e cultura. São Paulo, Centro brasileiro de pesquisa em saúde mental. -----

APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a áfrica na filosofia da cultura. Ed. 2ª. Rio de Janeiro, Contraponto Editora, 2007.

FANON, Frantz. Peles negras mascaras brancas. Salvador, EDUFBA, 2008.

MOSCOVICI, Serge. Representações sociais investigações em psicologia social. Petrópolis, Vozes, 2003.

PECHEUX, Michel. (orgs) Línguas e instrumentos lingüísticos, v.2. Campinas, Pontes. 1999.

WOODS, Donald R. Biko. São Paulo, Best Seller, 1987.

SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro. Ed. 2ª. Rio de Janeiro, Graal Editora, 1990.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Utopia do desenvolvimento

É comum nos dias de hoje, ouvir-se nos meios de comunicação que agora em África, começa-se a notar um desenvolvimento visível e ainda, cria-se instantâneamente a idéia de uma possível futura ascensão econômica e hegemonia por parte de nós africanos. Identifica-se como causa o petróleo em África, em que a procura por suas jazidas e outros tantos minérios aumenta bruscamente para suprir os anseios e perspectivas insaciáveis das mega-indústrias dos ditos países do primeiro mundo, que procuram e disputam à liderança nos pólos de combustíveis que ditarão a capacidade e longevidade da mesma no mercado.

Esse assunto remete-me facilmente a um capítulo por nós vivenciado, não há muito tempo, capítulo esse, que ainda entristece o nosso íntimo, mas que se nós não enxergamos com outros olhos agora, iremos ser NOVAMENTE e ESTUPIDAMENTE enganados, saqueados até o último minuto e sem que nos apercebamos, iludidos, fazendo sempre o papel de coitados e vítimas da história.

Capítulo da expansão européia para África, que todos vocês muito bem conhecem, que tanto nossos ancestrais, como nossa terra foi brutalmente estuprada sem piedade e depois largada em choros que até hoje nós ouvimos e vemos quando nossos irmãos lutam entre irmãos devido à partilha arbitrária de África; quando num país com dimensões consideráveis,há falta de capacidade humana para poder ajudar no desenvolvimento, quando a fome nos assola de colheita à colheita e as doenças que antes não existiam, mas que no mundo de hoje matam-nos mais que no país de origem.

Esse jogo da economia global é sem dúvida a maneira mais moderna de exploração, em que os donos do capitalismo vêem África como abastecimento de suas maquinarias, e esses, alugam a nossa terra, implantam extractoras de tudo quanto é possível para sugar tudo que nos resta e vender a preços desproporcionais,que uma vez essencias para nós, pagamos o valor.

Porque será que esses investidores não constroem as fábricas em África?

Porque será que eles só agora é que vêem o potencial africano?

Dizem investir no país, enquanto a mesada que o nosso governo recebe é praticamente toda reinvestida em vias de escoamento da própria matéria-prima extraída, reinvestida em infra-estruturas para os trabalhadores das extractoras, em que os cargos de chefia pertencem todos aos estrangeiros, e alguém me diga que desenvolvimento intangível é esse, em que o investimento circula apenas em redor da matéria-preciosa?

Será que Europa e América são ingênuos ao ponto de quererem perder os seus clientes favoritos??

Vamos investir na educação, saúde, vias de comunicação, saneamento porque quando acabarem de fazer o trabalho ficaremos novamente largados, sem saber como manter o país erguido,mantendo o caminho em frente.Criemos leis e contratos que nos beneficiem, pois a matéria é nossa e é escassa, nós é que devemos ditar as regras, não deixar com que eles façam o preço e nos vendam 10 vezes mais caro.

Eles nos iludem enchendo o nosso ego com ar, pois o capital que gira em torno desses projectos é todo enviado de volta para as suas sedes.Não tenhamos medo de nos afirmar,questionar e dar a última palavra, chega de baixar a cara, encorajemos a prevenção e não a intervenção; examinemos a fundo o que leva um estrangeiro a voltar às colônias e acima de tudo rever esses todos os contractos que assinamos com terceiros por que em curto prazo até podem ser interessantes, mas as gerações vindouras pagarão o preço da vossa negligência, e nessa altura iremos correr o risco de ser mais um Iraque, que depois da exploração do petróleo fomentam uma notícia, destroem e retiram o pouco que eles criaram.

Moçambique ACORDA!

Por: Rodolfo Nogueira Dias. Disponível em: http://mozeconomics.blogspot.com. Acessado em: 07 de Agosto de 2008. Ás 21h35min

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A transição em Angola

Publicado na Visão em 31 de Julho de 2008

Dezasseis anos depois do último acto eleitoral, realizam-se no próximo dia 5 de Setembro eleições legislativas em Angola. Tudo leva a crer que serão eleições livres e que se, no pior dos casos, houver fraude eleitoral, ela não será significativa. É um acontecimento importante para Angola, para África, e para todos os democratas do mundo. Depois dos recentes e trágicos acontecimentos no Zimbabué e no Quénia (durante alguns anos considerado um país de exemplar transição democrática), a África precisa de experiências democráticas bem sucedidas. A importância especial de Angola neste contexto decorre do factor petróleo. Como demonstram os casos acima mencionados, o petróleo não é o único factor de instabilidade política mas é um facto que historicamente a relação entre petróleo e democracia tem sido de antagonismo. É assim no Médio Oriente e foi assim na América Latina até à última década. Em África, um simples relance pelos maiores produtores de petróleo é revelador a este respeito. São eles, em função das reservas comprovadas de petróleo (medidas em mil milhões de barris): Líbia (41,5), Nigéria (36,2), Argélia (12,3), Angola (9), Sudão (6,4).

Objectivamente, o facto de mediarem dezasseis anos entre dois actos eleitorais significa que Angola é um país em transição democrática. Em situações destas, duas perguntas se levantam. Trata-se de uma transição irreversível? Qual a sua natureza sócio-política? Para a primeira questão são identificáveis duas respostas. Segundo a resposta pessimista, tudo está em aberto. Usando uma metáfora aeronáutica, a transição será um avião a subir mas ainda longe de atingir a velocidade de cruzeiro. Pode atingi-la ou pode cair entretanto. Ao contrário, a resposta optimista entende que depois dos traumas da guerra - Angola esteve em guerra mais de quarenta anos (de 1961 a 2002) – e da experiência política desde 2002, a transição não pode senão ser irreversível. Há razões objectivas para considerar esta última resposta mais plausível. É certo que militam contra ela alguns factores de peso: um sector fundamentalista do MPLA para quem as eleições visam apenas legitimar o poder que não podem pôr em causa; o excessivo peso do sector militar (com generais muito ricos, envolvidos em todo o tipo de negócios, do petróleo aos bancos e ao imobiliário); uma questão tabu em Angola – a questão étnica – a qual por não ser assumida politicamente pode germinar descontroladamente. Apesar disto, as razões a favor da irreversibilidade da transição são bastante fortes. Primeiro, o MPLA está internamente dividido e se, por um lado, há os fundamentalistas, por outro lado, há aqueles que chegam a desejar que o partido não ganhe com maioria absoluta para aprofundar e alargar ainda mais a partilha de poder já existente. O próximo congresso do MPLA, marcado para Dezembro, será certamente revelador das tensões e tendências. Segundo, mesmo a classe empresarial, que em grande medida se criou à sombra do Estado e segundo processos que envolvem todo o tipo de favorecimento ilícito e de corrupção, deseja hoje mais autonomia e estabilidade, uma e outra só obtíveis em democracia. Terceiro, emerge uma pequeníssima mas influente classe média aspiracional que pretende ver reconhecido o seu mérito por razões que não as da lealdade política. Há hoje 100.000 estudantes universitários nas 12 universidades angolanas (a qualidade destas é outra questão). Finalmente, no interior das classes populares cresce um associativismo de base, relativamente autónomo em relação ao MPLA e que o MPLA só poderá cooptar se der credibilidade ao jogo democrático e à partilha do poder.

A segunda questão, a da natureza da transição, é bem mais complicada. No plano político, tudo leva a crer que durante algum tempo a democracia angolana será uma democracia vigiada ou musculada, sujeita à venalidade dos políticos que o petróleo incentiva, à definição consular da agenda política, à tentativa de absorver as energias da sociedade civil e de as pôr ao serviço do Estado e do partido no poder. Será, em suma, uma democracia de baixa intensidade. No plano institucional, o presidencialismo auto-centrado e o peso-inércia do controlo político sobre o sector administrativo contribuirão para atrasar a consolidação das instituições políticas e administrativas. As necessidades da partilha do poder (ora mais real, ora mais aparente) e a tentação de distribuição populista de recursos não serão favoráveis à emergência de políticas públicas e sociais credíveis. No plano social, é preocupante o aumento da exclusão social e a cada vez mais chocante convivência do luxo mais extravagante ao lado da pobreza mais abjecta. Apesar do vertiginoso crescimento económico dos últimos anos, Angola continua entre os 10 países com mais baixo desenvolvimento humano. Calcula-se que as reservas do petróleo terminarão dentro de 20 anos. Angola não tem muito tempo para se tornar uma sociedade mais justa e mais livre.

Por: SANTOS, Boaventura de Sousa. Disponível em: http://www.ces.uc.pt/publicacoes/opiniao/bss/204.php. Acessado em: 04 de Agosto de 2008. Ás 13h56min